Judeus no mundo

UNIÃO SOVIÉTICA (1917-1991)


"Rabbi: [abençoando o Czar] Que D'eus o abençoe e mantenha... longe daqui. "
O Violinista no Telhado

 
    A participação judaica na revolução russa de 1917 foi notável – havia muitos judeus no alto escalão do Partido Bolchevique. Isto, no entanto não significava que a vida judaica melhoraria drasticamente em relação à época Czarista. Isso se deveu a muitos fatores, mas é importante salientar dois.

 

    Primeiramente, os membros judeus do Partido Comunista eram apenas etnicamente judeus. Eles eram ateístas e inimigos da religião (considerando o judaísmo uma religião como outra qualquer).

 

    Em segundo lugar, séculos de opressão sob o governo despótico do Czar não seriam esquecidos facilmente. Mesmo tendo a União Soviética adotado a explicação oficial de que o anti-semitismo era um instrumento das classes dominantes para direcionar o ódio que os trabalhadores e camponeses sentiam para os judeus, de que era uma tática política do regime czarista de explorar o fanatismo religioso, popularizar o odiado regime e desviar a atenção popular para um bode espiatório, houve episódios de repressão, mesmo que disfarçada.

 

    Logo após o triunfo da Revolução, o Partido Comunista criou uma seção dentro de sua organização, a Yevsetskyia, a seção judaica do partido. O objetivo desta organização era destruir os partidos judaicos rivais, como o Bund e os partidos sionistas (o sionismo, visto como um nacionalismo, era desaprovado pelo comunismo), suprimir o judaísmo e incutir nos judeus a cultura do proletariado. Outra meta desta seção era mobilizar os judeus do mundo em favor do regime soviético.

 

    Em 1919, a Yevsetskyia desmantelou as sedes dos partidos sionistas em Moscou e Petrogrado, fechou seus jornais e prendeu seus membros. No ano seguinte o Congresso Sionista Russo foi fechado pela Yevsetskyia e pela Cheka (polícia secreta comunista). 75 membros foram presos no local e milhares de membros foram presos por “atividade contra-revolucionária e compactuação com os interesses da burguesia Anglo-Francesa para restaurar o estado da Palestina”.

 

    O Partido Comunista, sob a liderança de Stálin, estabeleceu que cada minoria dentro do território russo teria um lar, uma língua e uma cultura próprias. Considerou-se que a língua dos judeus russos era o Yidish e iniciou-se uma supressão ao Hebraico. Jornais deixaram de ser publicados, livros foram retirados de circulação. Isto se deveu também a uma tentativa de secularizar a educação que começara com Lênin, impedindo o uso do Hebraico (linguagem litúrgica).

 

    Assim, em 1928, numa região remota do sul da Sibéria, foi criado o Oblast Autônomo Judaico, com o objetivo de combater o judaísmo e o sionismo (havia aliót ocorrendo na época). A idéia era criar uma Sião Soviética. Intensa propaganda foi feita e, de fato, vários judeus imigraram para Birobidzhan, capital da região, incluindo alguns que estavam insatisfeitos com a experiência sionista na Palestina. A Yevsetskyia foi extinta no ano seguinte.

 

    Foram feitos esforços de russificar a cultura do local, notavelmente a tentativa de substituir o alfabeto hebraico usado na língua Yidish pelo cirílico, alfabeto usado na língua russa. Um dos objetivos do Oblast era, também, povoar a frágil fronteira com a China. Isso gerou uma contradição, pois a maior parte da população judaica vivia mais a Oeste, especialmente na Ucrânia e na Bielorrúsia. Inicialmente, existiram propostas de criar o Oblast na Criméia ou em parte da Ucrânia, mas estas propostas foram abandonadas por medo de criar antagonismos com os não-judeus vivendo na região.

 

    O experimento fracassou e os judeus nunca foram mais de um terço da população na região. Ele foi abandonado após uma onda de expurgos por parte de Stálin. As lideranças judaicas foram presas e executadas e as escolas em Yidish foram fechadas.

 

    Seria, no entanto, injusto dizer que a situação dos judeus não melhorou durante o regime soviético em relação à época do Czar. Até um pouco antes da Segunda Guerra Mundial, 40% dos judeus tinham saído do shtetl e passado a viver em cidades maiores. Cessaram os pogroms. Pela lei, tinham direitos iguais aos dos outros cidadãos. O Pale de Assentamento havia sido extinto e isso, por acaso, salvou muitos judeus.

 

    Quando foi assinado o Pacto Ribbentrop-Molotov, o Pacto de Não-Agressão Germano-Soviético, em 1939, mais suspeitas sobre o anti-semitismo do governo soviético surgiram. O pacto permitia a livre entrada das tropas nazistas na Polônia e estabelecia uma partilha deste país entre a Rússia e a Alemanha. A grande maioria dos judeus vivendo sob a área dominada pela Alemanha acabou morrendo. Uma parte foi fuzilada pelos Einsatzkommandos, grupos móveis de extermínio que acompanhavam a Wehrmacht (exército alemão) e a outra parte foi exterminada nos guetos e campos de concentração. Em Kiev, por exemplo, 33.000 judeus foram fuzilados na ravina de Babi Yar.

 

    Quanto à parte que foi salva; muitas pessoas tinham se deslocado internamente na Rússia. As que tinham ido para cidades como Moscou e Leningrado salvaram-se dos nazistas. Estimativas dizem que 40% dos habitantes da região do Pale foram salvos devido a essas migrações. 200.000 judeus também morreram lutando pelo Exército Vermelho.

 

    Após o fim da Guerra, a situação continuou tensa. A URSS votou a favor da partilha da Palestina em 1947 e foi o primeiro país a reconhecer o Estado de Israel, acreditando que as lideranças de esquerda (Mapai, por exemplo, de Ben-Gurion) viriam a alinhar-se com a União Soviética contra a influência inglesa na região. Mais tarde, a URSS passaria a apoiar as nações árabes.

 

    Em 1948, no entanto, o presidente do Comitê Judaico Anti-Fascista, organização criada em 1942 com o apoio das autoridades soviéticas que tinha o intuito de influenciar a opinião pública contra a Alemanha Nazista e conseguir apoio político e material para que a União Soviética lutasse contra esta, Solomon Mikhoels, foi morto num acidente de carro suspeito. Este Comitê havia se envolvido com a documentação do Holocausto após a Guerra e um pouco antes de seu fim, isso contrariava a posição oficial do governo soviético, que mostrava o Holocausto como atrocidades contra meros cidadãos soviéticos, sem reconhecer o genocídio do povo judeu, cigano, dos homossexuais, etc.

 

    Seguiu-se intensa propaganda do estado contra os “cosmopolitas sem raízes”, muitas prisões de intelectuais judeus notáveis e supressão da cultura judaica. Em 1952, na noite do dia 12 para o dia 13 de Agosto, num episódio conhecido como Noite dos Poetas mortos, treze importantes poetas, escritores, atores e outros intelectuais judeus foram mortos. Em 1953 surgiu mais um problema, A Conspiração dos Médicos. Stalin afirmava que havia uma conspiração para assassinar as lideranças do Partido Comunista através de envenenamento, que seria levado a cabo por aqueles que ele chamava de “burgueses nacionalistas judeus corruptos”. Alguns historiadores dizem que esta maquinação de Stalin iniciaria uma nova onda de prisões e execuções e na deportação em massa dos judeus. No entanto, Josef Stalin morreu em Março de 1953 e, dias depois, a Conspiração dos Médicos foi classificada como boato pelo governo soviético.

 

    Neste período, o Oblast Autônomo Judaico fracassou, devido à criação de Israel, da Conspiração dos Médicos e de uma onda de expurgos antes da morte de Stalin. Hoje, os judeus constituem apenas 1,2% dos pouco mais de 190.000 habitantes da região que, curiosamente, é maior que o Estado de Israel.

 

    Mais tarde, com o estabelecimento da Guerra Fria e o posicionamento da URSS firmemente do lado dos países árabes contra Israel (considerada uma ferramenta utilizada por judeus e americanos para “imperialismo racista”), o anti-semitismo instalou-se na sociedade soviética. Judeus eram perseguidos como aliados do Ocidente por sua ligação com Israel. Várias organizações judaicas foram fechadas, com a exceção de algumas sinagogas, que foram postas sob vigilância policial. Muitos judeus não conseguiam entrar nas universidades, nos postos do governo, ser contratados para certos empregos...

 

    Após a Guerra dos Seis dias, em 1967, muitos judeus russos começaram a nutrir um sentimento por Israel e desejaram ir para lá. A União Soviética não via com bons olhos, no entanto, uma emigração maciça. Como resultado, muitos judeus não conseguiam vistos de saída para Israel, a desculpa mais comum sendo a de que em algum momento estas pessoas tinham tido acesso a informações confidenciais e não poderiam deixar a União Soviética por questões de segurança.

 

    Surgiram, então, os Refuseniks, pessoas a quem tinham sido negados vistos de saída. Principalmente, mas não apenas, judeus. Isso gerou um episódio curioso. Em 1970, um grupo de refuseniks (dois dos quais não eram judeus) preparou-se para seqüestrar um avião e desviá-lo para a Suécia. O grupo era liderado Eduard Kuznetsov (já havia estado na prisão por 7 anos) e tinha em sua formação Mark Dymshits, que havia sido piloto militar. Sob o pretexto de uma viagem para um casamento, eles compraram todas as passagens de um vôo local num avião com 12 assentos. Ao chegarem ao aeroporto, foram todos presos pelo Ministério do Interior.

 

    O grupo foi acusado de alta traição, punível com a pena de morte pelo código legal soviético. Dymshits e Kuznetsov foram, de fato, condenados á morte, mas após pressão internacional, sua pena foi comutada para 15 anos de prisão. Os outros refuseniks foram condenados à prisão por períodos entre 4 e 15 anos.

 

    Após o incidente, houve prisões e fechamento de centros de estudo judaicos. Ao mesmo tempo, condenações internacionais fizeram as autoridades do Partido Comunista elevar as cotas de emigração. Na década de 60, apenas 4.000 pessoas haviam deixado a URSS. Na década seguinte, foram 250.000 pessoas. No começo quase todos que conseguiam vistos de saída da Rússia faziam aliá. A partir da metade da década de 70, esta situação começou a mudar e muitas pessoas iam para outros lugares, principalmente os EUA. Em 1989, um recorde: 71.000 vistos de saída foram requeridos para Israel e apenas 12.117 destes fizeram aliá.

 

    Outro caso importante é o de Anatoly Sharansky¹. Depois de ter sido negado um visto de saída da União Soviética em 1973, trabalhou com o dissidente Andrei Sakharov em prol dos direitos humanos. Foi um dos líderes dos refuseniks, tendo sido co-fundador do Grupo de Observação de Helsinki de Moscou, que pretendia monitorar os direitos humanos na União Soviética. Preso em março de 1977 e condenado em julho de 1978 nas acusações de traição e espionagem. Ele foi sentenciado a 13 anos de trabalho forçado. Depois de passar por um campo de trabalhos forçados na Sibéria, foi trocado, em 1986, por dois espiões soviéticos. Famoso por sua resistência no Gulag (campo de concentração russo), ao ouvir que poderia andar reto em direção a sua liberdade, em um último ato de desafio, andou em ziguezague. Sharansky emigrou para Israel adotou o nome de Natan, pelo qual é conhecido agora e fundou, em 1995 um partido político de direita, o Israel B’Alyiah, que também ajuda os imigrantes russos.

 

    A partir de 1985, já estavam em curso a Perestroika e a Glasnost de Gorbatchov, o Muro de Berlim caía em 1989, a Guerra Fria vertiginosamente acabava e em 1991 se dissolvia a URSS.


    1 Quando criança, Sharansky era um prodígio no xadrez. Ele diz ter jogado xadrez consigo mesmo em sua mente enquanto estava preso. Ele venceu Kasparov numa partida de xadrez modalidade Simul (exibição simultânea) realizada em Israel (Kasparov versus muitas pessoas ao mesmo tempo, cada qual com seu tabuleiro).